terça-feira, 7 de agosto de 2007

Casa Grande e Senzala em Quadrinhos: o revisionismo da escravização nas salas de aula

Quando o francês Jean Marie Le Pen, presidente do Front National (o mesmo que desbancou o candidato do Partido Socialista, Leonel Jospin, nas eleições presidenciais de 2002, obrigando os franceses a votar massivamente em Jacques Chirac para evitar que a França fosse governada pela extrema direita) declarou em 07 de janeiro de 2005 , que “na França, pelo menos, a ocupação alemã não foi particularmente desumana, mesmo que tenha havido abusos”, iniciou uma onda de protestos no seu próprio país e no mundo, que o forçou a se retratar posteriormente. A retratação se deu menos por uma revisão de suas convicções pessoais que pelo risco de ser enquadrado no crime de revisionismo, previsto na Loi Gassot, lei de 1990 que, entre outras medidas destinadas a coibir a discriminação racial, qualifica como delito e pune com sanções penais toda “negação de crimes contra a humanidade”.

Protestos nas ruas, mobilização social (com direito a quebra-quebra e vaias ao então Primeiro Ministro, Nicolas Sarkozy) forçaram igualmente um recuo do Conselho Constitucional francês, quando, ao modificar a proposta original da deputada guadalupeana Christiane Taubira , fez referência ao “papel positivo desenvolvido pela colonização”. Embora não equiparado juridicamente ao revisionismo, as conseqüências políticas desta tese para o governo foram as mesmas que as assumidas pelo oposicionista de extrema direita Le Pen.

Imagine-se então qual seria a reação dos franceses à publicação de um livro em quadrinhos, retratando os campos de concentração, com as imagens que nos acostumamos a ver em documentários e fotografias oficiais, em que se apresentasse a mesma tese revisionista do Front National, mas de forma simplificada para o publico infanto-juvenil, “informando”, por exemplo, que os judeus tinham as cabeças raspadas para impedir a proliferação de piolhos, que sua magreza era parte de um regime alimentar destinado a fazê-los perder o excesso de gordura - para o seu próprio bem! -, que as câmaras de gás na verdade tinham como finalidade a desbaratização ou outras monstruosidades semelhantes. Pior: se o tal livro fosse adotado pelo governo e distribuído nas escolas publicas republicanas, principalmente naquelas onde se concentram a maioria dos jovens egressos da imigração. As conseqüências políticas e sociais de tal iniciativa seriam incomensuráveis. Nem mesmo os partidários da extrema direita liderados por Jean Marie Le Pen ousariam sequer pensar em tal ação.

Pois bem, vivemos no Brasil situação análoga à delirante hipótese. Em 2005, Ano da Promoção da Igualdade Racial, a Editora Globo, em parceria com a Fundação Gilberto Freyre e a Fundação Joaquim Nabuco, por ocasião dos cem anos de nascimento do sociólogo pernambucano, relançaram a adaptação para os quadrinhos da conhecida obra de 1938. Casa Grande e Senzala em quadrinhos procura tornar acessível ao publico infanto-juvenil as idéias que nortearam a obra que sintetiza o mito da democracia racial. O livro em quadrinhos traduz, em imagens de uma plasticidade inatacável, aquilo que a obra original deixa a cargo do leitor imaginar: índias e negras nuas, oferecendo a opulência de seus dotes físicos a portugueses devidamente vestidos, absolvidos de toda a culpa por ceder às tentações; crianças negras - sempre referidas no livro como “moleques” ou “crias”, ao contrario das crianças brancas, que merecem o tratamento de “meninos” - sendo montadas como se fosse cavalo por crianças brancas, ao lado do texto que louva “a participação do escravo na vida sexual e de família do brasileiro”. Tal participação é mostrada, no livro, de forma a acentuar o papel utilitário da população negra, como quando identifica a mulher “negra ou mulata” como“o grande atoleiro da carne”, a terceira “vitima” na linha de sucessão dos “vícios nos quais escorregava a meninice dos ioiôs”, logo depois dos moleques (leia-se crianças negras) e dos animais domésticos.

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Por Ana Paula Maravalho
Conselheira Gestora do Observatório Negro - entidade filiada ao MNDH PE.

Um comentário:

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado