terça-feira, 30 de outubro de 2007

Curso formará brasileiros para atuar no sistema interamericano

Com as presenças do secretário-executivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do co-diretor da Academia de Direitos Humanos do Washington College of Law, curso destinado aos militantes da área de DH acontecerá em Florianópolis, entre os dias 5 e 10 de novembro.

Maurício Thuswohl – Carta Maior

RIO DE JANEIRO – O Brasil é uma nação com um histórico nada respeitável de violações aos direitos humanos. Comparável a essa tradição, existe outra, que é a da organização da militância e dos movimentos sociais em torno das entidades de defesa dos direitos humanos no país. A força desse segundo movimento, no entanto, acaba sendo diluída pela ineficácia da atuação da maioria das entidades brasileiras no exterior, sobretudo nos sistemas internacionais de discussão sobre as questões humanitárias, como a ONU e Organização dos Estados Americanos (OEA). O resultado disso é um distanciamento que, ao mesmo tempo, distorce a imagem do Brasil no exterior e impede as organizações de direitos humanos que atuam no país de se desenvolverem técnica e politicamente a contento.

Com o objetivo de mudar essa realidade, o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), ONG criada no Brasil e que atua também na Europa, organizou a segunda edição do Curso Anual de Capacitação em Direitos Humanos (CADH), que acontecerá em Florianópolis entre os dias 5 e 10 de novembro. O curso tem como principal objetivo formar e capacitar militantes brasileiros para atuar nos fóruns de discussão da ONU e da OEA e, segundo o projeto, "influenciar na implementação dos mecanismos, instrumentos, normas e procedimentos internacionais e regionais de proteção aos direitos humanos".

Diretora-executiva do IDDH, Fernanda Lapa afirma que o trabalho do instituto é pioneiro no Brasil: "Existem algumas ONGs brasileiras que têm condições de financiar seus treinamentos e capacitações no exterior, mas a grande maioria não consegue ter orçamento para isso e ainda acredita que o sistema internacional está muito distante de suas práticas. O intuito de fortalecer a sociedade civil brasileira nessa área é para que esta possa, com qualidade, utilizar esses instrumentos como forma de potencializar as ações do seu dia-dia", diz.

Ainda em busca de financiamento, o IDDH pretende levar no ano que vem um grupo de militantes brasileiros à Suíça para um curso semelhante ao que acontecerá em Santa Catarina. Se for confirmada, essa formação deverá acontecer na cidade de Genebra, onde fica a sede européia da ONU e onde o instituto tem uma filial coordenada pela brasileira Fátima de Souza, com larga experiência de atuação em direitos humanos no sistema das Nações Unidas.

Fernanda Lapa afirma querer preparar os militantes brasileiros para "pressionar o Estado de forma adequada a cumprir seus compromissos internacionais em matéria de direitos humanos", e diz acreditar que uma postura como essa "acabará se refletindo numa melhor proteção dos direitos humanos dentro do Brasil". Ela resume assim a importância do curso: "Fazer com que a sociedade civil seja mais alerta e atuante para acompanhar a política externa brasileira em matéria de direitos humanos, e fazer com que isso se reflita no trabalho cotidiano de suas organizações".

Nesta sua segunda edição, o CADH terá como principais palestrantes o secretário-executivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Pablo Saavedra, e o co-diretor da Academia de Direitos Humanos do Washington College of Law, Diego Rodríguez-Pinzón. O chileno Saavedra, com muitos anos de experiência, é um profundo conhecedor dos trâmites e bastidores da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O colombiano Rodríguez-Pinzón dirige uma academia que oferece um conceituado programa de formação para militantes nos Estados Unidos: "São duas pessoas que vão poder abordar a parte prática do sistema interamericano, o que geralmente falta nos cursos acadêmicos sobre o tema", analisa Fernanda.

Elogios e críticas

Animado com sua vinda ao Brasil, Diego Rodríguez-Pinzón ressalta que o país "tem registrado importantes avanços na área de direitos humanos". Ele cita a criação das três Secretarias Especiais pelo governo federal (Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres) como exemplo desses avanços: "Além disso, o Brasil ratificou vários tratados, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, e aceitou a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos", diz.

Rodríguez-Pinzón acrescenta que o Brasil "está liderando os esforços na OEA com vistas à adoção de uma convenção interamericana sobre os temas da discriminação e da intolerância racial" e que o atual governo brasileiro "tem implementado programas de ação afirmativa para buscar superar a situação de exclusão e discriminação vividas pelas comunidades afrodescendentes do Brasil".

É claro que o co-diretor da Academia de Direitos Humanos do Washington College of Law também tem suas críticas: "Subsistem no Brasil alguns problemas relacionados à impunidade, que se expressam através de episódios notórios, como são os casos de assassinatos de ativistas sociais em algumas regiões do país. Outro problema que é objeto da censura internacional diz respeito às condições de detenção nos centros penitenciários, em particular no caso dos menores", diz Rodríguez-Pinzón, que enumera outras mazelas da realidade brasileira como "excesso do exercício da força pelas autoridades policiais, a situação precária de tratamento dos enfermos com Aids e o trabalho escravo que ainda persiste em algumas regiões".

"Desconhecimento é maior problema"


A se realizar na belíssima capital catarinense, o CADH irá formar 30 alunos este ano. Com atuação destacada em Brasília na recente (e vitoriosa) luta pelos direitos dos "brasileirinhos apátridas", Denise da Veiga da Alves espera, com o curso, qualificar ainda mais sua atuação: "A importância de uma formação como essa sobre a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos, para quem milita nessa difícil seara no Brasil, pode ser medida pela intensidade e quantidade de violações de direitos que se enfrenta no cotidiano do povo brasileiro, e de alguns grupos sociais mais vulneráveis em geral", diz.

Para Denise, o "desconhecimento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos" é a maior dificuldade para as organizações brasileiras que atuam nesse setor: "Em um contexto histórico onde a impunidade tem sido tragicamente a regra - seja pela apuração de responsabilidades ineficiente, seja pelo mau funcionamento da máquina judiciária ou pelo abuso de poder político e/ou econômico - é fundamental que cada vez mais militantes brasileiros de direitos humanos possam manusear os instrumentos da Comissão e da Corte interamericanas. É também uma forma de constranger o governo brasileiro a assumir suas responsabilidades", diz.

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