quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Relator Especial da ONU se reúne com a sociedade civil



Em missão oficial no Brasil, o Relator Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Philip Alston - em Pernambuco nos dias 11 e 12 – teve a agenda deste domingo (11) reservada para ouvir a sociedade civil e deve encontrar-se, nesta Segunda-feira, com autoridades do Estado.

A visita ocorreu no Acampamento Pedro e Inácio, do MST, em Nazaré da Mata, palco do Massacre do Caramazal. Entidades da sociedade civil e testemunhas das execuções se deslocaram em comitiva para o local. Além da equipe de Alton, estavam presentes representantes do INCRA e do Ministério Público de Pernambuco – o Coordenador das Promotorias de Direitos Humanos de Pernambuco, Marco Aurélio Farias.

Uma mística do MST, feita por parentes das vítimas do massacre, e a exibição do filme, ‘Armas não atiram Rosas’ (15 min), sobre os 10 anos do caso Camarazal, deram abertura ao encontro. Em Pernambuco, o relator definiu como foco a análise da atuação dos grupos de extermínio, os programas de proteção e a violência no campo e contra os povos indígenas. "Fui convidado pelo Governo, que depois receberá um relatório; então, ele, de certa forma, se responsabiliza pela situação", diz Alton, ao lembrar que "o relatório não será uma solução, mas o ponto de partida para discussões".

A visita tem também um caráter de monitoramento do Estado brasileiro, já que esta Relatoria - na época assumida por Asma Jahangir - já visitou o país em 2003. "O fato de uma Relatoria voltar a um mesmo país dentro de um intervalo de tempo tão curto é inédito para o Brasil, e demonstra que a ONU continua preocupada com a situação nacional no que diz respeito a essa prática e com a forma pela qual as autoridades vêm respondendo (ou não) a essas questões", avalia Giovanna de Oliveira, advogada do DH Internacional - iniciativa do Movimento Nacional de Direitos Humanos / Regional Nordeste e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares. Foi nessa perspectiva que representantes dos movimentos sociais compilaram uma avaliação sobre os avanços e retrocessos na temática, chamando atenção para a situação de impunidade, em um ‘RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL: um relatório especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais’.

O documento tem uma parte analítica, na qual é contextualizado esse tipo de crime, definido pelo programa DH INTERNACIONAL como sendo "qualquer homicídio praticado por forças de segurança ou similares (grupos de extermínio, justiceiros), sem que a vítima tenha a oportunidade de exercer o direito de defesa num processo legal regular, ou, embora respondendo a um processo legal, a vítima seja executada antes de seu julgamento; ou ainda, respondendo a processo legal, a vítima seja executada sem que lhe tenha sido atribuída uma pena capital legal". E uma segunda parte, dedicada aos casos, divididos em: violência policial na capital de Pernambuco; violência policial e atuação de grupos de extermínio no interior do Estado; violência contra o povo Truká; violência contra as mulheres e violência contra negros.

Pela manhã, foi realizada uma Reunião Coletiva, no espaço externo do acampamento. Representantes de diversos grupos se pronunciaram, fazendo recortes sociais, étnicos e de gênero para a violência em Pernambuco. As Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais são um problema antigo no Brasil, que remonta a nossa histórica colonial e permanece nos dias de hoje sob a forma de assassinatos por encomenda e dos grupos de extermínio. Em um Estado socialmente organizado pelas grandes propriedades de monocultura concentradas nas mãos de ‘coronéis’ a idéia de se fazer justiça com as próprias mãos chega a ser naturalizada. "A impunidade tem raízes no latifúndio", analisa o Padre Tiago, da CPT - Comissão Pastoral da Terra.
O que preocupa é o entrecruzamento entre os conhecidos como Estado de Direito e Estado Paralelo, do crime. "Pessoas que deveriam ter como meta a defesa da sociedade estão envolvidas com grupos de extermínio", denuncia Ivan Moraes Filho, articulador estadual do MNDH. "Esses grupos entram nas comunidades periféricas, os quilombos urbanos ou rurais, e realizam um verdadeiro genocídio étnico. Esse tipo de crime tem raça e tem classe", aponta Marta Almeida, do MNU - Movimento Negro Unificado.

Joana Santos, Coordenadora do Fórum de Mulheres, inclui as mulheres como constituintes de mais um grupo vulnerável da nossa sociedade, herdeira da ideologia patriarcal. "Pernambuco é o estado de maior índice de morte de mulheres, chegando a cerca de uma por dia", diz, depois de defender a importância de se colocar na pauta da ONU os homicídios causados pelas questões de gênero.

Encerrada a rodada de falas, foi feita a entrega do Relatório da Sociedade Civil. À tarde, Alston e seus assessores se dividiram para conversar particularmente com as vítimas de ameaças e testemunhas que presenciaram de perto as execuções. Estavam presentes representantes de povos indígenas e quilombolas.

Em um contexto de contínua violação dos direitos humanos e diante das dificuldades apresentadas pelos programas governamentais de prevenção e proteção, a vinda de Philip Alston traz, pois, a esperança de efetivação da justiça em Pernambuco.

Entidades da Sociedade Civil presentes na Reunião Coletiva:
A-COLHER - CASA DE PASSAGEM – CCLF – CENDHEC – CIMI - COMUNIDADE PEQUENOS PROFETAS – CPT – CRP - FORUM DE MULHERES – GAJOP - GRUPO MULHER MARAVILHA – MNDH PE – MNU – MST - OBSERVATÓRIO DE FAVELAS – SEMPRI - TERRA DE DIREITOS

O Massacre de Camarazal


O Engenho Camarazal está localizado no município de Nazaré da Mata, no Estado de Pernambuco, nordeste brasileiro. Depois de ter seus 544 hectares avaliados pelo INCRA como improdutivos e por isso aptos a serem utilizados no Programa Nacional de Reforma Agrária, a área foi ocupada por trabalhadores rurais sem terra, no dia 5 de junho de 1997.

Na madrugada do 9, cerca de trinta indivíduos chegaram ao local do acampamento dos trabalhadores e iniciaram disparos indiscriminados contra homens, mulheres e crianças. Seis pessoas, dentre elas duas crianças ficaram feridas e dois trabalhadores desapareceram. Horas depois os cadáveres de Pedro Augusto da Silva e Inácio José da Silva foram encontrados boiando no Rio Capibaribe, no município de Paudalho.

Em junho deste ano o caso completou dez anos. Seus autores permanecem, porém, impunes.


Por Mykaela Plotkin - Comunicação MNDH PE
Fotos: Mykaela Plotkin e Thiago Nunes - Casa de Passagem

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