quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Encontro Nacional de Direitos Humanos 2007

POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA E UMA JUSTIÇA
PARA GARANTIA DE DIREITOS


O Encontro Nacional de Direitos Humanos - Segurança Pública, Justiça e Cidadania, depois de três dias de atividades, entre 24 a 26 de setembro de 2007, na Câmara dos Deputados, expressa, para o conhecimento da sociedade, do poder público e como orientação para cada segmento, as seguintes considerações:

1. Afirmamos que Segurança Pública e Acesso à Justiça são Direitos Humanos e como tal devem ser compreendidos, sempre, por todos os agentes do Estado, as operadoras e os operadores do direito, as cidadãs e os cidadãos. Essa é uma premissa fundamental do Estado Democrático de Direito.

2. Avaliamos que o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal, contém avanços em relação aos planos anteriores para o setor, mas ainda preserva a concepção tradicional do papel das polícias, de ação repressiva dirigida aos grupos vulneráveis, em detrimento da defesa de direitos. Ao manter essa concepção, herdada de diferentes períodos de arbítrio, pode-se comprometer o sucesso do próprio programa. Também pode representar a perda irreparável de um momento histórico apropriado para essa mudança de paradigma.

3. Reivindicamos a articulação institucional permanente entre o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, para garantir um enfoque da prevalência dos direitos humanos na implementação do Pronasci.

4. Constatamos a não incorporação de medidas de enfrentamento ao racismo e ao sexismo como fatores geradores de violência. Nesse sentido é preciso reconhecer que a maioria da população foco do Pronasci é de jovens negros, cujas taxas de homicídios são o dobro da população branca. Da mesma forma, é preciso incluir ações específicas dirigidas aos conflitos fundiários e ambientais, que vitimam lavradores e lavradoras, indígenas, quilombolas, defensores e defensoras de direitos humanos, entre outros, bem como ampliá-lo para regiões de fronteira, onde o policiamento é insuficiente.

5. Reivindicamos a revisão do Projeto Mães da Paz em relação a nomenclatura e sua concepção conservadora que se fundamenta na naturalização do papel da mulher como mãe, cuidadora e responsável pela reeducação dos jovens. Ainda por desconsiderar a situação de risco em que as mulheres estariam envolvidas e não visar os direitos humanos e cidadania das mulheres. Além disso, tem como referência o projeto de promotoras legais populares, sem que se especifique a metodologia de formação.

6. Defendemos uma mudança que torne a Polícia garantidora de direitos e não perpetradora de violações. Isso implica ações em grande escala no campo educativo e na forma de sua organização e administração. Requer a integração das instituições policiais e a desmilitarização da Polícia Militar, a imediata regulamentação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e a construção da Lei Orgânica da Polícia Civil em conformidade com esses princípios.

7. Propugnamos que seja dada ênfase às ações preventivas na atividade policial, construindo indicadores confiáveis e unificados, dada a precariedade dos dados disponíveis hoje.

8. Instituir medidas de monitoramento e enfrentamento à violência policial, como o fenômeno persistente da prática da tortura nos estabelecimentos prisionais e unidades de internação, execuções sumárias e extermínios praticados por policiais. É preciso definir metas de redução e eliminação dessas práticas e do grau de letalidade na atividade policial, para que o medo e a desconfiança sejam substituídos pela esperança de que a polícia seja defensora de seus direitos.

9. Propomos que sejam criadas condições para a transparência dos indicadores de implementação do Pronasci. Deve ser dada visibilidade inclusive à aplicação dos recursos em ações capazes de inibir os fatores geradores da violência, como as políticas sociais, habitacionais, educacionais e de geração de emprego.

10. Propomos seja explicitada e garantida a participação da sociedade civil na formulação, gestão e monitoramento do Pronasci e do Sinase, visando a garantia do controle social. Foi constatada a ausência de participação das organizações da sociedade civil no processo de construção do Pronasci.

11. Reivindicamos a garantia do papel interlocutor, para a tomada de decisões, das entidades da área de direitos humanos, que há anos lutam, contribuem e refletem sobre a segurança pública e a justiça.

12. Propomos a integração e o fortalecimento do sistema de proteção, composto pelos Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), Serviço de Proteção ao Depoente Especial (SPDE), Réu e Ré colaboradores, Programa Nacional de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Centro de Referência de Direitos Humanos e Combate à Homofobia, Centro de Apoio a Vítimas de Violência (Ceavs), Programa de Proteção ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAM), sem prejuízo da criação de novas ações, como instrumentos necessários para a implementação do Pronasci.

13. Defendemos que a humanização e a reformulação do sistema prisional sejam condições fundamentais para uma política de segurança pública e de justiça com cidadania. É preciso reduzir a alta reincidência criminal dos egressos e egressas, assegurando aos apenados e apenadas dignidade, alternativas profissionais e acesso à educação. Igualmente, é preciso romper com a idéia de que a privação da liberdade é a única solução para a violência e a criminalidade, criando-se as condições para a aplicação de penas alternativas e alternativas às penas.

14. Defendemos a efetiva implementação do Sinase, incluindo a disseminação de experiências bem-sucedidas de atendimento integrado às e aos adolescentes em conflito com a lei, municipalizando-se a execução dessas medidas. Para tanto, recomendamos a atuação conjunta dos órgãos da Justiça, sociedade civil e instituições de assistência social, educacional e de saúde.

15. Defendemos a instituição e a normatização do controle externo e interno das polícias, por meio de ouvidorias e corregedorias, com participação da sociedade civil, autonomia de gestão e orçamento próprio.

16. Reivindicamos aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aos presidentes e relatores das Comissões competentes agilidade na tramitação e votação do Pronasci, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da reforma do Judiciário, da PEC 487/2005, que fortalece a Defensoria Pública e do Projeto de Lei que estabelece procedimentos de persecução penal nos casos de tortura e que considere as propostas deste Encontro.

17. Repudiamos o emprego da violência de forças policiais contra os movimentos sociais, combatendo com veemência a criminalização contra defensoras, defensores e movimentos, garantindo assim o direito de manifestação, organização, denúncias e de resistência.

18. Cobramos do Poder Judiciário uma Justiça célere e cidadã, que tenha a agilidade necessária para evitar a impunidade, elevando o padrão de acesso à Justiça e que tenha as portas abertas às classes populares. Nesse sentido, é preciso reconhecer e valorizar experiências de formação alternativas como a das Promotoras Legais Populares, Agentes Jurídicos Populares, entre outros. Igualmente, experiências de mediação de conflitos, justiça comunitária e restaurativa.

19. Defendemos a valorização e a autonomia das Defensorias Públicas da União e de todos os Estados, ênfase na atuação do Ministério Público como defensor da sociedade e dos direitos humanos, autonomia das instituições de perícia em relação às organizações policiais.

20. Cobramos do Ministério da Educação e das instituições universitárias uma mudança de paradigma na formação dos profissionais, para que sejam incorporados conhecimentos e práticas que fortaleçam o processo democrático contemporâneo, na perspectiva dos direitos humanos.

21. Defendemos uma política de segurança pública e de justiça verdadeiramente cidadãs, com participação popular na sua formulação e implementação, com respeito incondicional aos direitos humanos. Uma política de segurança pública e uma Justiça compatíveis com os avanços democráticos que o Brasil está conquistando significa transformá-las em espaço de garantia de direitos humanos.


Brasília, 26 de setembro de 2007.

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