quarta-feira, 12 de setembro de 2007

AUDIÊNCIA PÚBLICA

Sociedade se reúne na elaboração de propostas para Segurança Pública

“Você também acredita em uma saída?” perguntou ao vizinho da platéia o diretor de cinema Fernando Jorge, que dizia buscar naquela Audiência sobre Segurança Pública um espaço para debate dos encaminhamentos da sociedade civil diante do estado de violência em que se vive em Pernambuco. “Meus amigos não me deixam mais falar sobre isso. Já se acomodaram na situação de eterna fuga, de eterno medo. Mas deve ter alguma solução”, acrescenta.

Foi em busca de propostas do Estado para serem levadas ao Encontro Nacional de Direitos Humanos - de 24 a 26 de setembro na Câmara Federal, em Brasília -, cujo tema é Segurança Pública, Justiça e Cidadania, que se reuniram ontem, 11 de setembro, no plenário principal da Alepe, sociedade civil, membros do judiciário e, contraditoriamente, poucos representantes do legislativo.

Aberta pela presidente da Comissão de Cidadania da Assembléia Legislativa de Pernambuco, Teresinha Nunes, a audiência prosseguiu com homenagem feita por Ivan Moraes Filho, articulador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), às não poucas vítimas de assassinatos no último final de semana em Pernambuco.

Em seguida, foi lançada oficialmente, com exibição de vídeo, a Campanha Afirmação dos Direitos Humanos do MNDH. O objetivo é mostrar os paradigmas da luta tão estigmatizada historicamente. É a ampliação da acepção da palavra direito que pretende ser alcançada. “O direito à vida transcende o direito de não ser assassinado”, explica Moraes Filho.

O articulador convidou, então, os presentes à elaboração de propostas e à discussão a respeito da atuação das polícias militar e civil no Estado; do papel das ouvidorias públicas; do sistema prisional, em tempos de superlotação dos cárceres e greve branca dos agentes penitenciários por falta de condições mínimas para trabalho; do combate ao crime organizado; do orçamento público para segurança, reconhecendo a necessidade de inter-relação entre esse e os destinados a projetos sociais; da desmistificação dos pequenos delitos e adoção de penas alternativas; do papel do judiciário da agilidade concretização das medidas de segurança e da sociedade. “A Segurança Pública é um dever da gestão pública; é preciso que também se entenda como dever da sociedade o monitoramento da efetivação desses direitos”, aponta.

A quebra da hierarquia entre mesa e platéia foi marca do encontro. Gravatas dividiram o microfone com palavras de ordem estampadas em camisas. O intuito era que a “Casa do Povo” fizesse jus ao nome e oportunizasse à população do Estado recorde em violência a exposição de suas demandas.

Para o Deputado Sérgio Leite existem interesses claros por trás da criminalidade e “a sociedade não pode ser vítima de uma minoria que se beneficia com o crime organizado”. Já o juiz Humberto Vasconcelos alerta para a necessidade de mudança de posicionamento da sociedade. “É preciso assumir a postura de agentes e não só de reagentes”, defende Vasconcelos, depois de assinalar propostas de ação como a construção de um mapa social e a instituição de mecanismos de agilidade da justiça que garantam uma maior acessibilidade e atuação da justiça no combate à violência.

“A cada cinco minutos uma mulher está em situação de violência”, revela Rejane Pereira, representante do Fórum de Mulheres. Depois de apontar a necessidade de criação de políticas de direitos para as mulheres, de promoção do aumento da autonomia feminina como forma de enfrentamento à ideologia machista arraigada na nossa sociedade, Pereira fez um recorte étnico e social sobre a violência de gênero e expôs dados que incluem as mulheres pobres e negras dentro do grupo de maior risco.

Seguindo a perspectiva de vinculação do crime ao racismo iniciada pelo Fórum de Mulheres, Ana Paula Maravalho, do Observatório Negro, levantou o questionamento: “Existe relação entre cor, raça e violência?”. Dados apontam Pernambuco como o detentor do 2º maior índice de homicídios de jovens negros no país. As propostas sistematizadas foram de ampliação do quadro de defensoria do estado; viabilização de ações de combate ao racismo institucional; capacitação da polícia e dos bombeiros; criação de centros de referência de combate ao racismo regionais e da instituição do Estatuto da Igualdade Racial, juntamente com a Lei de Cotas.

A necessidade de se pôr em xeque o que constrói as desigualdades e a desmistificação dos interesses que estão por trás da criminalização dos defensores dos direitos humanos foram pontos levantados por Rivane Arantes, do Centro de Cultura Luís Freire. Arantes questiona, ainda, o descrédito com que a mídia se refere à luta e o tratamento dispensado por parte do judiciário, da polícia e do Ministério Público para com os militantes.

O enfoque social sobre a violência ficou a cargo das moradoras e moradores do Ibura. Maria de Lourdes denunciou a discriminação com que os residentes do bairro são tratados durante as investigações; a dificuldade da periferia fazer ressoar a sua voz e o desconhecimento por parte da maioria da sociedade civil do Pacto pela Vida. Defendeu também a necessidade de criação de políticas inclusivas com base na renda, considerando o grande número de não negros entre os menos favorecidos. A indústria da violência e a construção pela mídia de uma imagem associada à criminalidade para os bairros marginalizados foram questões abordadas por Lenilson da Pastoral Carcerária.

Marise Liberato da Silva, 35 anos, vendedora ambulante, concluiu a rodada de falas. Microfones poderiam ser dispensados; seu grito carregava a força de toda uma sociedade que diz sim à vida e não à violência. Com escolaridade mínima Marise, auto-intitulada cidadã, quando questionada sobre que instituição representava, deu uma aula de cidadania e parece ter convencido muitos a, como Fernando, acreditarem na existência de uma solução para o estado de banalização da criminalidade vivido em Pernambuco.


Mykaela Plotkin
Comunicação MNDH PE

Um comentário:

Anônimo disse...

Mykaela, excelente matéria, me senti la de novo, escutando a voz dos representantes comunitarios. E fica a sugestao de, numa proxima audiência publica, inverter a ordem das falas (ouvindo primeiro as comunidades e cidadãs como Marise), para, a partir dai, discutir propostas concretas sobre direitos humanos concretos.