terça-feira, 25 de setembro de 2007

Audiência pública encerra missão de relatores de direitos humanos em Pernambuco

Nos dois dias de visitas na Zona da Mata, foram constatadas inúmeras e graves violações de direitos fundamentais de comunidades

Na manhã quarta-feira (26) será realizada, no auditório do Ministério Público do Estado de Pernambuco, uma audiência pública sobre violações de direitos humanos cometidas contra comunidades da Zona da Mata.

A audiência faz parte da missão de investigação do projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA), coordenado pela Plataforma Brasileira DHESCA.

A missão, composta por duas das seis relatorias que integram o projeto, Direito Humano à Alimentação Adequada e Terra Rural e Direito Humano ao Trabalho, está em Pernambuco desde segunda-feira, visitando comunidades da Zona da Mata que se encontram em situações emblemáticas de violações de seus direitos.

Na audiência pública, da qual participarão representantes do poder público e das comunidades visitadas na missão, serão debatidas as denúncias investigadas e apresentados os primeiros resultados da missão. Num prazo de trinta a sessenta dias os relatores Clóvis Zimmermann (Alimentação Adequada e Terra Rural) e Cândida Silva (Trabalho) apresentarão o relatório consolidado da missão, incluindo a descrição detalhada das violações constatadas e recomendações ao poder público, em suas diversas esferas e setores relacionados aos casos investigados.

A missão é apoiada pelo Ministério Público Estadual e por entidades e movimentos sociais locais que acompanham os casos visitados pelos relatores, tais como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Terra de Direitos, Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH) e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).

As relatorias nacionais vieram a Pernambuco apurar especificamente as denúncias relativas a três casos de violações de direitos humanos considerados emblemáticos no estado: o Acampamento Chico Mendes, em São Lourenço da Mata (40km do Recife), o Assentamento Prado, em Tracunhaém (72km da capital) e as Ilhas de Sirinhaém, localizadas no município de mesmo nome, situado a 80km do Recife.

Nos dois primeiros dias da missão, dedicados a visitas às comunidades, foi possível verificar, a partir de relatos de representantes das mesmas, a gravidade da situação atual dos casos, que são acompanhados há vários anos pelo projeto Relatores Nacionais em DHESCA.


Audiência pública sobre violações de direitos humanos na Zona da Mata de Pernambuco

Quando: quarta-feira (26/09), 9h
Onde: Ministério Público Estadual (Rua Imperador Dom Pedro II, 473, Santo Antonio, Recife-PE)


Sobre o projeto Relatores Nacionais em DHESCA

O projeto Relatores Nacionais em DHESCA, inspirado nas Relatorias de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU) e contando com o seu apoio, existe desde 2004.

Trata-se de uma iniciativa da sociedade civil brasileira que monitora, analisa e difunde informações sobre a situação dos direitos humanos em nível nacional e local. Seus propósitos principais são: dar visibilidade aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais no debate realizado na esfera pública; criar um mecanismo de monitoramento do nível de respeito e garantia dos DHESCA; ampliar o conhecimento e a difusão destes direitos e fortalecer a ação da sociedade para o exercício dos mesmos.

As seis Relatorias Nacionais (Moradia Adequada e Terra Urbana; Saúde; Trabalho; Meio Ambiente; Educação; Alimentação e Terra Rural) têm, através de missões in loco, registrado denúncias e violações, realizado interlocução com os diferentes órgãos do Estado e produzido relatórios e recomendações visando a superação das violações.

Outras informações sobre o projeto Relatores Nacionais: www.dhescbrasil.org.br


RESUMO DOS CASOS

Ilhas de Sirinhaém:

Cinqüenta e três famílias residentes nas Ilhas de Sirinhaém foram expulsas da área mediante fraude administrativa e violência, por parte da Usina Trapiche, empresa que atua no segmento de açúcar e álcool em Pernambuco.

As famílias habitavam as dezessete ilhas há várias gerações e tiravam seu sustento da terra e do mangue, vivendo em harmonia com o meio ambiente.

As Ilhas de Sirinhaém são parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA), ou seja, propriedade da União. Por viver de uma cultura extrativista e, desta forma, ajudarem na preservação do lugar, a comunidade estava aguardando o recebimento do Título de Aforamento da União, que garantiria o seu direito definitivo a residir no local. Este título, porém, até o momento não foi concedido pela Gerência Regional do Patrimônio da União em Pernambuco (GRPU), órgão responsável pela sua emissão, vinculado à Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento.

Desde que começou o processo de expulsão em 2002, as famílias estão obrigadas a viver na periferia das áreas urbanas, vizinhas do lugar onde sempre viveram e do qual foram despejadas brutalmente. Estão submetidas a condições sub-humanas por não terem de onde tirar seu sustento e não poderem exercer seu modo de vida tradicional, o que se configura como grave violação de direitos humanos. A falta de acesso à terra e, em conseqüência, às atividades extrativistas, viola o direito humano à alimentação, entre outros direitos fundamentais.

Assentamento Engenho Prado:

A posse definitiva das terras foi conquistada pelas famílias em novembro de 2005, após longa e dura disputa nos tribunais, inclusive no Superior Tribunal Federal (STF).

Entretanto, após quase dois anos após a conquista da terra, a realidade das famílias do Engenho Prado praticamente não mudou. Continuam morando em barracos de lona, tal qual viviam no acampamento; as terras ainda não foram demarcadas; o Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) ainda não foi elaborado; não receberam crédito para habitação e nem recursos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF). Além disso, continuam sem energia elétrica e a água disponível é de cacimbas ou riachos.

Além da falta de condições adequadas de vida, o que constitui grave violações de inúmeros direitos, as famílias ainda estão expostas à insegurança e à violência decorrentes da disputa com os latifundiários da região. No dia 23 de junho passado foi assassinado José João Gomes da Silva Filho, conhecido como "Zé Graviola", liderança dos trabalhadores rurais da área. Menos de um mês depois deste crime, no dia 13 de julho, outro militante da luta por reforma agrária, Severino Guilherme Lúcio da Silva, conhecido como "Biu Jacaré", também foi assassinado.

Segundo as Relatorias Nacionais que visitarão a área, estes episódios, somados a outros anteriores, demonstram a omissão do Estado na garantia dos direitos humanos das famílias de trabalhadores rurais da Zona da Mata de Pernambuco.

Acampamento Chico Mendes:

Em 2004, seiscentas famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam pela primeira vez as terras do Engenho São João. A Usina estava falida e praticamente abandonada há dezessete anos. Dentre as famílias que ocuparam a área, muitas eram empregadas da Usina e com a sua falência ficaram desempregadas e não tiveram respeitados os seus direitos trabalhistas. O acampamento, batizado de Chico Mendes, já foi alvo de violentos despejos e atualmente está tramitando no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) o processo administrativo de desapropriação.

As famílias do Chico Mendes, mesmo sem nenhum acesso a recursos público para fomento da reforma agrária, conseguiram produzir gêneros para seu próprio sustento e até para distribuição a outras comunidades empobrecidas da região, tornando o acampamento um modelo e referência da luta por reforma agrária no estado e no País.

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