O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional é um empreendimento do Governo Federal, sob responsabilidade do Ministério da Integração Nacional e tem como objetivo, de acordo com o próprio governo, garantir água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes da região semi-árida dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
De acordo com o projeto, a integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do Semi-árido deverá ser viabilizada com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água – o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s) – no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico deverá ser usado no consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver transbordando, o volume captado poderá chegar a 127 m³/s, daí a água poderá ser utilizada para múltiplos usos.
A realidade hídrica, principalmente no que diz respeito à oferta e uso das águas, é tema que, historicamente, tem marcado o debate sobre o Semi-árido. Após o agravamento da crise do abastecimento hídrico do Nordeste no ano de 1999, a transposição do rio São Francisco passou a ser ‘vendida’ como a única alternativa de solução do problema. Atualmente, o imediatismo, caracterizado pela ânsia de fazer chegar água, a qualquer custo, às torneiras da população, sem preocupar-se, no entanto, com as conseqüências ambientais ao se adotar essa alternativa conflita com as constantes preocupações, sobretudo da classe técnica, a exemplo do pesquisador João Suassuna, com relação às limitações das fontes hídricas na condução do processo transpositório.
As questões sociais também são motivo de ponderação. Como aponta Andrea Zellhuber, da CPT baiana, “os Estudos de Impacto Ambiental do Projeto desconsideraram a existência dos 34 povos indígenas e 156 comunidades quilombolas, e um sem número de populações ribeirinhas. Ignoram sua interação com a bacia, sua cultura e a contribuição para o contorno da identidade nacional, com sua diversidade e riqueza étnico-cultural. Mais que isso, desconsideram os impactos sociais como, por exemplo, a redução do território indígena”. Andrea lembra ainda que a Constituição Federal de 1988 assegura aos indígenas, no art. 231, o direito de serem ouvidos formalmente em casos de utilização de recursos naturais em suas terras e, no art. 49, dá exclusiva competência ao Congresso Nacional para autorizar a utilização de recursos hídricos em terra indígena. “Vai se passar um canal de transposição por dentro de terras indígenas, mas eles não foram consultados, nem mesmo o Congresso, como a lei determina”, diz Severino Santos, da Pastoral dos Pescadores.
“Ao contrário do discurso oficial, não existe déficit hídrico nos Estados beneficiados que justifique um projeto da magnitude do que está sendo proposto para a Transposição. Dados dos Planos de Recursos Hídricos dos Estados da região revelam um quadro bastante favorável em termos de disponibilidade hídrica”, afirma Zellhuber. A problemática das secas no nordeste setentrional é a mesma do semi-árido brasileiro como um todo, reflete a falta de uma política adequada e efetiva, que promova a adaptação do homem, principalmente de sua economia, ao desenvolvimento sustentável e que desenvolva instrumentos de gestão e infra-estrutura que possibilitem o acesso à água. Em artigo para a Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, defende que “vontade política é a verdadeira seca do Nordeste”.
O que muitos acreditam, inclusive Rubem Siqueira, é que o projeto, em nome da população menos favorecida, privilegie, de fato, a lavoura da cana de açúcar, a produção do agro combustível, a carcinocultura e a irrigação do cultivo de flores e frutas por grandes empresas, dentre elas multinacionais. É uma inversão da prioridade do acesso à água e da utilização dos recursos públicos.
“Através da implementação das obras propostas no Atlas do Nordeste publicada pela ANA – Agência Nacional de Águas –, com menos da metade dos investimentos públicos se poderiam resolver os problemas de abastecimento de água de forma muito mais eficiente e abrangente. São aproximadamente 530 obras, que alcançam 1112 municípios acima de 5 mil habitantes, beneficiam 9 estados do Nordeste mais o Norte de Minas, solucionando o problema de 34 milhões de pessoas”, acrescenta Andrea.
“O discurso da seca já vitimou o nordeste por bastante tempo, o que a gente lembra é que é preciso conviver com as questões climáticas da região do semi-árido. Questões culturais, sociais e ambientais serão afetadas com a obra que não vai distribuir água para a população como eles colocam”, afirma Luciana Pivato, advogada da Terra de Direitos.
Por Mykaela Plotkin
Comunicação MNDH PE
Foto: João Zinclar
De acordo com o projeto, a integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do Semi-árido deverá ser viabilizada com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água – o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s) – no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico deverá ser usado no consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver transbordando, o volume captado poderá chegar a 127 m³/s, daí a água poderá ser utilizada para múltiplos usos.
A realidade hídrica, principalmente no que diz respeito à oferta e uso das águas, é tema que, historicamente, tem marcado o debate sobre o Semi-árido. Após o agravamento da crise do abastecimento hídrico do Nordeste no ano de 1999, a transposição do rio São Francisco passou a ser ‘vendida’ como a única alternativa de solução do problema. Atualmente, o imediatismo, caracterizado pela ânsia de fazer chegar água, a qualquer custo, às torneiras da população, sem preocupar-se, no entanto, com as conseqüências ambientais ao se adotar essa alternativa conflita com as constantes preocupações, sobretudo da classe técnica, a exemplo do pesquisador João Suassuna, com relação às limitações das fontes hídricas na condução do processo transpositório.
As questões sociais também são motivo de ponderação. Como aponta Andrea Zellhuber, da CPT baiana, “os Estudos de Impacto Ambiental do Projeto desconsideraram a existência dos 34 povos indígenas e 156 comunidades quilombolas, e um sem número de populações ribeirinhas. Ignoram sua interação com a bacia, sua cultura e a contribuição para o contorno da identidade nacional, com sua diversidade e riqueza étnico-cultural. Mais que isso, desconsideram os impactos sociais como, por exemplo, a redução do território indígena”. Andrea lembra ainda que a Constituição Federal de 1988 assegura aos indígenas, no art. 231, o direito de serem ouvidos formalmente em casos de utilização de recursos naturais em suas terras e, no art. 49, dá exclusiva competência ao Congresso Nacional para autorizar a utilização de recursos hídricos em terra indígena. “Vai se passar um canal de transposição por dentro de terras indígenas, mas eles não foram consultados, nem mesmo o Congresso, como a lei determina”, diz Severino Santos, da Pastoral dos Pescadores.
“Ao contrário do discurso oficial, não existe déficit hídrico nos Estados beneficiados que justifique um projeto da magnitude do que está sendo proposto para a Transposição. Dados dos Planos de Recursos Hídricos dos Estados da região revelam um quadro bastante favorável em termos de disponibilidade hídrica”, afirma Zellhuber. A problemática das secas no nordeste setentrional é a mesma do semi-árido brasileiro como um todo, reflete a falta de uma política adequada e efetiva, que promova a adaptação do homem, principalmente de sua economia, ao desenvolvimento sustentável e que desenvolva instrumentos de gestão e infra-estrutura que possibilitem o acesso à água. Em artigo para a Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, defende que “vontade política é a verdadeira seca do Nordeste”.
O que muitos acreditam, inclusive Rubem Siqueira, é que o projeto, em nome da população menos favorecida, privilegie, de fato, a lavoura da cana de açúcar, a produção do agro combustível, a carcinocultura e a irrigação do cultivo de flores e frutas por grandes empresas, dentre elas multinacionais. É uma inversão da prioridade do acesso à água e da utilização dos recursos públicos.
“Através da implementação das obras propostas no Atlas do Nordeste publicada pela ANA – Agência Nacional de Águas –, com menos da metade dos investimentos públicos se poderiam resolver os problemas de abastecimento de água de forma muito mais eficiente e abrangente. São aproximadamente 530 obras, que alcançam 1112 municípios acima de 5 mil habitantes, beneficiam 9 estados do Nordeste mais o Norte de Minas, solucionando o problema de 34 milhões de pessoas”, acrescenta Andrea.
“O discurso da seca já vitimou o nordeste por bastante tempo, o que a gente lembra é que é preciso conviver com as questões climáticas da região do semi-árido. Questões culturais, sociais e ambientais serão afetadas com a obra que não vai distribuir água para a população como eles colocam”, afirma Luciana Pivato, advogada da Terra de Direitos.
Por Mykaela Plotkin
Comunicação MNDH PE
Foto: João Zinclar
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